25.4.10

Eu tava lendo um livro do Bukowski, atirada no sofá do diretório acadêmico da faculdade. Era pra estar assistindo à cadeira de Teoria da Puta Que Pariu, mas a sala de aula tava sufocante. Ali também; como acadêmicos gostam de fumar, credo. Ao menos tinha música boa, tava rolando um Pink Floyd. Os guris jogavam sinuca e continuavam a piada interminável do dia.
O Pedro também saiu da aula.
- E essa literatura de homem aí, guria?
Olhei por cima dos meus óculos e chamei ele pra perto. Segurei a mão dele contra meu seio.
ISSO é literatura de homem. O livro não passa de um amontoado de palavras.
Ele ficou chocado e nem soube o que dizer; foi embora.
Enchi o saco de caras que acham que só homem sabe apreciar o Buko. O que acontece é que sacamos ele de maneiras diferentes. Quando coloquei a mão do Pedro contra meu peito, era pra ele sentir meu coração. Óbvio que mesmo chocado o que ele quis foi sentir outra coisa mais 'apertável', digamos assim, mas não menos pulsante.
Eu sinto o coração da literatura beat. Não é a nudez da gorda de 300kg quebrando a cama do Bukowski que vejo. Enxergo a tristeza daquela mulher que vive o dilema de desejar ser comida e de não querer acordar sozinha na manhã seguinte. Melancolia, melancolia...
Acho que nem existe mais de um tipo de literatura - como eu já disse, são só palavras. Mas eu não pensava assim, eu nem escrevia porque achava que isso não era algo que uma mulher saberia fazer bem. O lado feminino sempre aflora na ponta do lápis e se torna piegas, ainda mais quando tenta colocar o "tu" no papel:

Oh, amor como sofro por ti
Padeço nesse mundo cruel,
Morro um pouco aqui e ali
Só porque tu não és mais meu,
Meu doce Rafael

Blábláblá, romance de folhetim, Clarice Lispector e Madames Bovary emocionadas em busca de um novo affair. Sempre preferi um Charles Baudelaire, um Pessoa e, claro, um Bukowski. Mas sempre houve duas exceções no meu hall da fama: Dickinson e Vincent Millay. Mulheres que escrevem tão bem que eu diria que é escrita masculina. Daí eu achei, por um tempo, que devia escrever que nem homem. Até criei um pseudônimo. Pensei que com a nova identidade minha escrita tava livre de afetações de mulherzinha bancando a poetisa (a Cecília também preferia ser chamada de poeta). Não deu muito certo. O máximo que consegui foram alguns textos assexuados (meu lado feminino neutralizado pelo pseudônimo masculino = texto sem sexo - e o sexo é vital à escrita). Então, que se foda. Vou escrever como eu mesma, com afetações ou não. Só pra mostrar pro Pedro onde é que fica o coração de uma mulher.

3.2.10




Quero embriagar-me
beber-te de um só gole
por inteiro, nu

De vinho tinto, vinho teu
quero sentir meu corpo ardente
ansioso e sedento

Mas tu me chegas à garganta
e o copo seca.

Tu és meu oásis,
e eu sou teu deserto.

Eu te seco da chuva fria
Se em minha mão fores cálice.

Vens à mão que te deseja
e a afoga.

Minha saliva implora
por teu beijo líquido
Hilst sabe o que digo.

Embriagai-me por inteiro,
todo nu.

Não me entregue a planta pronta
me dê a semente
regue, cuide
me molhe todos os dias.

19.1.10

beber sozinha é como protagonizar
um poema triste do Bukowski
com a cadência das horas
maestrada pela melancolia

6.1.10


a gordinha mal conseguia se equilibrar

em sua sandália de salto

mas na mão esquerda

um brilho peculiar

hmmmm casada

as gordinhas também amam


todos podem amar

desde que queiram

bom, não é que eu não queira

só quero que seja de verdade


não vou inventar um amor

não consigo ficar acompanhada

só para não estar sozinha

o amor inventado

é mais triste do que o não-amor


já tive o amor

bem ao lado, na minha cama

de que me adianta?

eu não sentia merda alguma

fui embora

e deixei o amor ali


tem que ser intenso

como um acorde

da guitarra de Buddy Guy

ou como um verso

de Bob Dylan


meu homem vai ler

Bukowski para mim na cama

vai saber a hora de me tratar

feito uma puta

e quando me amar

como uma dama

e o mais importante é que

vai me fazer rir

quando a realidade

tentar me jogar

no abismo da dor.


Seguidores