21.12.09

poesia não se cria
não se inventam palavras
que rimem em versos ímpares

a poesia vem,
senta ao lado
e sussurra-se em nosso ouvido

25.11.09

LIMITE DE CARACTERES É CENSURA DISFARÇ

18.11.09

Geração Perdida


"O homem é condenado a ser livre", e eu optei pelo Existencialismo para iniciar. Liberdade: luto para tê-la, para então descansar sentindo o pesar de possuí-la. Escolher um entre dois só cabe a mim, o que exulto com vigor; o trilho de consequências dessa escolha, no entanto, vai tão longe, quase ao infinito, que meus olhos têm de se esforçar muito para enxergar, tanto que começam a doer. A dor da escolha, então, me toma por inteiro, me deixando imóvel, estática.
Minha geração é dos anos 80/90. Nascidos no período pós-ditaduras, pós-contracultura, pós-luta pela igualdade (entre sexo, entre cores). Distantes 30 anos da década das revoluções, não participamos das lutas que nos proporcionaram a liberdade que temos. Bom nascer em um mundo evoluído, no qual outros se encarregaram de facilitar as coisas para mim.
Mulheres queimaram seus sutiãs para que eu pudesse olhar nos olhos de homens sem me sentir diminuída, tendo a certeza de que aquilo que possuímos entre as pernas não interfere em nossos direitos; ainda que enquanto eu o faça, esteja usando sutiã. Mas e se eu quiser que direitos iguais signifique tudo isso, porém ainda desejar que abram a porta do carro para eu descer? Bom, isso seria atestar dependência quanto ao gênero masculino, e, nesse caso, não condizente com a pregação dos direitos iguais. Contudo, considerando essa situação, os direitos iguais tentdem a afastar, e não aproximar os sexos.
Para os hippies, a causa mais importante depois da paz era a luta pelo amor livre. Concomitantemente à revolução sexual, houve a construção da ideia do sexo como algo natural, belo e saudável. Alguns levaram esse ideal ao extremo, sem temer novas experimentações. Minha geração não participou disso, mas assistiu às consequências; AIDS mata. Temos em uma mão a fulgurante, charmosa e sonhadora expressão amor livre; na outra, um recorte de jornal com a manchete da morte de Cazuza.
Timothy Leary, o guru das drogas nos anos 60, fez uma linda defesa do LSD, explicitando todos os seus benefícios. As drogas passaram por um processo de despreconceitualização. Mas a Heroína arrancou Janis Joplin dos palcos cedo demais. Direta ou indiretamente relacionada com as drogas também foi a morte de Jimi Hendrix, Jim Morrison e Kurt Cobain. Os quatro se foram aos 27 anos, e, mesmo não os tendo conhecido, sinto a falta de sua presença no mundo. Queria-os aqui, dizendo que não foi a droga em si, mas o excesso dela. Queria Leary realizando novas pesquisas e ajudando a esclarecer e ensinar o uso consciente. Creio que não nos culpam pelo anseio de ver o que nos circunda de forma mais colorida e vibrante; não podem nos julgar por desejar alterar a realidade suja que nos turva os olhos a cada manhã. Ainda assim, nos oprimem à simples menção da palavra alucinógeno. Assim como a AIDS, mata.
Não sabemos pelo que optar. Amontoam-se informações em nosso banco de dados, e o excesso de conhecimento nos inibe o movimento. É pouca vida para tanta opção. Chegamos aos tempos malditos: vivemos a era da relativização! Certo e errado se miscigenam a ponto de formar uma grande substância amorfa e pastosa. Fétida. Somos obrigados a manter certa distância desses conceitos. Já não é assim tão maravilhoso ter nascido nesse mundo onde lutas foram travadas antes de mim, sem que eu pudesse escolher, me posicionar e batalhar também.
Não somos a geração da revolução, somos a geração perdida. Cometemos insanidades, somos impelidos a tanto. Queremos atenção, precisamos saber, afinal, que direção tomar... O que fizeram conosco?! Estamos perdidos... Não vejo saída e nem onde isso vai dar. Mas não consigo prever um lugar muito bonito no fim de tudo. Essa liberdade toda que possuímos para fazer nossas escolhas nos atormentam; tentamos, em contrapartida, manter uma atitude positiva. Afinal, somos jovens!, cabe a nós aproveitar a vida, usufruir daquilo que ela nos oferece; sem exageros, pois há consequências. Não... isso não passa de um confuso pensamento otimista. E quando otimismo se iguala, em minha mente perturbada, ao pessimismo - por funcionar apenas como lentes que colocamos nos olhos, mascarando a realidade - não posso permitir essa visão distorcida, que engana. Quero ver as coisas e entendê-las como de fato são. Manuel fartou-se de lirismo que não fosse libertação; eu também estou farta, mas de liberdade que não tem acorrentada a si a verdade.

5.11.09

SINESTESIA - As minhas e as tuas memórias


I. Eu queria rever meus amigos. O tempo da minha juventude, por algum motivo que no momento ignoro, não sai da minha cabeça... Eram bons dias aqueles em que corríamos juntos por aí, feito loucos que nada devem a ninguém. Não sei, deve ser a chuva. O dia está nublado e tudo ao meu redor cheira à nostalgia. Inclusive o perfume dela... Pude jurar que senti sua fragrância no ar.
Que merda!, fico melancólico nesses dias. Creio que seja porque não sinto vontade de sair de casa e o ócio me deixa muito pensativo. E a máxima de Descartes não se aplica a mim, definitivamente. "Cogito ergo sum"... Quanto mais eu penso, mais louco fico e quase deixo de existir - ao menos nesse mundo aqui. Lucidez excessiva não faz bem... Enxergar as coisas em demasia e se questionar constantemente pode ser muito perturbador. Eu fico me perguntando se a vida é só isso mesmo, ou se tem algo a mais a descobrir. Só quando escuto minhas músicas e leio meus autores preferidos meu coração parece serenar. O que sinto então é tão grandiosamente intenso que eu tenho que acreditar na vida - ainda que de maneira levemente cética. Mas agora não me sinto assim.
Não posso procurar meus amigos hoje... hoje não posso. Se fosse há alguns anos, eu provavelmente passaria a tarde lendo Jack Kerouac, cerrando as páginas do livro toda vem em que ficasse boquiaberta com as palavras do meu querido beatnik. Oh, companheiros de minha juventude... Sem dúvidas, não posso revê-los agora.
Se eu fecho os meus olhos e me concentro, quase posso sentir o toque dos teus lábios nos meus...

1.11.09

O muro é alto



"Caso alguém tenha problemas com cigarro, alertamos para que escolham assentos mais afastados do palco, pois as atrizes fumam em cena". A fala é real e nem faz parte do teatro, mas já nos deixa imaginativos para o que veremos. Quero dizer, Nelson Rodrigues punha a mãe com tesão pelo filho, e o irmão querendo comer a irmã no mesmo palco, mas a incomodação se abstinha ao plano psicológico. "Para F.K" já começa prometendo mais.
O início é suave: violão, luz fraca. Quatro mulheres e um músico. "Músico" já explica tanta coisa, que o termo se faz preferível ao simples "homem". Quanto às mulheres, alta, loira, crespa e pequena é tão raso quanto a gota que sobrou no copo. A pequena é romântica; tão possuída pelo desejo de amar que se recitasse Florbela Espanca - "eu quero amar, amar perdidamente!/Amar só por amar: Aqui... Além..." -, as palavras pareceriam suas. A alta? Dama da noite é como a chamam. Bebe para ofuscar sua lucidez, sua consciência a respeito da vida que não lhe deixa jamais, pois possui o olhar de quem vê de fora, fora da roda... Quem enxerga tanto jamais dorme; fica assim, com a feição cansada, exausta. Ela gostaria de ser acalentada pelo abraço da outra, com seus cachos abundantes a lhe acariciar a face. Doce... tão doce! Sua falinha mansa, cheia de dengo... que de repente se vai e explode!!, pela falta do toque dele. Não do músico, do homem.
Loira - gorda, burra e feliz, ela diria. Feliz? Pode ser. Acredito que a melancolia possa ser feliz mesmo. Bom, reconfortante ao menos. Linda, sem dúvidas; chega por trás e a envolve, a põe louca, enraivecida, nostálgica. E ele nem foi embora ainda. É como disse a pequena, "dias frios te deixam mais lento, mais bonito"; a melancolia também é um dia frio... põe lágrimas na face... mechas loiras tentam escondê-las.
Todos os corações, com suas peculiaridades femininas, o querem. Seja porque gostam muito, porque ele não liga há tempos, porque ele cresceu demais, ou porque é apenas um garotão inocente. E DAÍ?!! Que vá embora! Mas a perspectiva do não-retorno as amendronta tanto que as prende em si mesmas. Para sempre, pois a peça termina deixando o infinito todo para que cada uma delas o percorra em trilhos de dor; no deserto, sem bichos, água ou árvores. Nada. Apenas um muro alto, ainda intransponível.
A luz volta e incide no meu olho a realidade. Há aplausos, porém os meus são automáticos. Não tenho vontade de ovacionar, por mais fantástica que tenha sido a atuação. Aliás, é justamente esse fato que bloqueou meus movimentos. A alta, a loira, a crespa e a pequena me arrastaram e me acorrentaram no seu mundo que bebe, fuma, grita e sente. Ao sair do teatro com os fones no ouvido, Bob Dylan me adivinha... "How does it feel? To be on your own, with no direction home..." Para aqueles que têm problemas com cigarro, lugares afastados do palco bastam; aos que acreditam que "sentir é melhor maneira de viajar/Sentir tudo de todas as maneiras/Sentir excessivamente...", apenas do outro lado da porta é seguro
.

25.10.09

Crime e Castigo - Fiodor Dostoiévski


Raskólhnikov de louco, frívolo e assassino passou a ser humano completo e ciente sobre a vida. Foi ao extremo para comprovar sua teoria; matou. Não foi capaz, no entanto, de sustentar sua ideia inicial; culpou-se, angustiou-se pelas mortes causadas. Enlouqueceu ao se ver demasiado humano, e não gênio. Após infindas indagações interiores e buscas por explicações, decide se entregar. Sônia o acompanha à Sibéria. Lá, em um primeiro momento a desilusão e um novo sentimento: o de fraqueza. Julgou-se pusilânime por ter se entregado. Após cair doente, contudo, há uma reviravolta descrita tão rapidamente que se faz difícil de acompanhar. Sônia ao seu lado, uma vasta e bela paisagem a sua frente, e a golfada de ar que lhe arfa o peito; como se tivesse sentido a vida novamente. Agora que estava preso fisicamente, conseguira se libertar da prisão mental a qual estivera submetido. Acima de tudo, sentia amor; amor à Sônia. O livro termina de modo emocionante; fechei-o e o levei de encontro ao meu peito, tentando manter perto de mim aquela história tão bonita – que a muitos pode parecer apenas a história de um assassinato e percurso do vilão. Com Raskólhnikov aos pés de Sônia, Doistoiévksi descreve: “O amor ressuscitava-os, o coração de um encerrava infinitas fontes de vida para o coração do outro”; Raskólhnikov se reconectava com o mundo.
Dostoiévski conseguiu descrever as aflições psicológicas de um personagem complexo de forma tão intensa a modo de proporcionar ao leitor uma grande dose das angústias sentidas por ele. E, ao terminar, o renascimento de Raskólhnikov nos dá uma sensação de que ainda há algo para ser descoberto... Algum grande acontecimento – que não seja um assassinato, por favor – que nos colocará em conexão completa com o mundo; um sopro de epifania.
Tido como o pai do existencialismo, Fiodor insere Crime e Castigo nessa corrente, que tem como axioma a seguinte frase de Jean Paul Sartre: “A existência governa e precede a essência”. Daí advém a maneira como Dostoiévski descreve os dias de Raskólhnikov – maçantes, para olhos desatentos -, apenas “preenchendo páginas”. Tacitamente, encontra-se a busca pela essência, traduzida na aflição de Raskólhnikov.

20.10.09

"All I have to do is dream"



O mundo é feio, e a vida não é doce como supôs
Em sua inocência infantil
E você já nem sabe porque até aqui veio
Coisas ruins acontecem
Pessoas morrem na hora errada
Quem não devia está no comando
Não há lugar suficiente e nem todos comem
E mesmo que não apareça todo dia o Vietnã na tevê
A cada manhã o sol sangra
Pelas batalhas diárias que ele vê

Você tem vontade de chorar
De sentar no meio do caminho
E desistir
Como um fraco, como um tolo
Como alguém que se desesperou porque creu sozinho
Porque é tão triste perceber
Que a vida não dá certo para todos
Que você é inútil tantas vezes
Por não poder sanar a dor de quem quer bem
Não pode fazer uma roseira morta
Novamente florescer
Nem sanar a solidão da velhinha
Sentada no ônibus ao lado de um menino
Que lhe impede de conversar sobre o tempo
Pois tem fones no ouvido

Mas você tem a sua garota
E quando ela lhe envolve em seus braços
Todo o resto perde o foco
Pois ela é como uma balada romântica
Que acaricia seus ouvidos
E devolve o brilho aos seus olhos baços
Então você até acredita em sonhar
Quando ela imagina a casa no campo
No topo da colina
Com animais, lago e um pomar
Talvez seja esse o sentido da vida
É o que você ousa pensar
E já nem lembra dos antigos "ais"
Mas admite que nada disso precisa ser dito
Basta ouvir a gaita harmônica do Bob Dylan
Traduzindo toda a dor e toda a beleza
Transformando o mundo em notas musicais

29.9.09

Come gather 'round people



Lembro de ter esnobado toda aquela euforia em função de o Obama ter sido eleito. Claro que eu estava contente - quem não estaria com a saída do Bush? Mas eu tinha dentro de mim a convicção de que isso não deveria ser tão aclamado, e sim tratado com mais naturalidade. Esse destaque, essa enfatização do fato de ele ser negro, fez parecer que foi algo muito fora do comum a sua eleição. Quando não deveria ser! Era apenas um homem competente, com boas ideias e potencial - se ele fosse verde, ainda assim não perderia essas qualidades. Enfim, proclamar essa minha opinião poderia ser forçar a barra - o que não me impediu de dizê-la por aí para quem quisesse ouvir. Talvez, contudo, eu só pense assim porque para mim isso soa como um acontecimento natural. Mas para outras pessoas, está longe disso. E então isso tudo deve ser muito exultado e comemorado mesmo, para fazer com que essas pessoas acordem e se deem conta de que as coisas estão mudando, progredindo - que elas tomem parte nisso também, começando a se naturalizar com esses fatos. O Bob Dylan comemorou a vitória do Obama em um show, que fazia no dia da decisão; ele devia se lembrar de quando, enquanto cantava 'for the times, they are a-changing', em 64, os negros conquistavam o direito de poder frequentar os mesmos lugares públicos que brancos, com o Ato de Direitos Civis. Sem desprezar, ou soltar fogos de artifício, canto apenas, então, calma e esperançosa, 'and the first one now, will later be last/for the times, they are a-changing'.
Perguntaram o que eu pensava a respeito de Zelaya. Minha mente começou a viajar, vi na minha frente o mapa daquele país centro-americano, a cara bigoduda do presidente e as mulheres com fitas no rosto em forma de xis, reclamando liberdade de imprensa. E as mulheres me fizeram lembrar dela. Ela havia dito que me amava. Tá certo que tinha sido depois de uma transa intensa, mas eu senti que era sincero. Vi nos seus olhos. A boca pode mentir, os olhos não. Nunca haviam me amado antes. Ou talvez sim, mas ninguém me deixou ter conhecimento disso. E foi tão bonito o modo como ela disse. Foi como se essa fosse a única verdade no mundo. E eu acreditei. Então lembrei do Kerouac e de como ele dissera uma vez que ninguém mais acredita no amor, e que o amor é a grande mensagem, o puro significado da vida. Ele estava certo. E ela também.
Ah, o Zelaya. Que se dane.

20.9.09

"Despe-te, despe- te/Quanto mais nu, mais tu"




Elas ouviam o blues; escutavam os gemidos da guitarra e se excitavam em cada distorção. O piano as punha loucas... Os dedos ágeis mal se deixando visualizar. Libertas, finalmente libertas. Cada grade da prisão que as confinava ia ao chão, uma a uma - assim como suas roupas. Libertinas. Vestir-se só tinha utilidade para os pudicos, para os puritanos e para os não-dançarinos. Seus corpos se ondulavam e suas mentes giravam. Enquanto isso, a água fazia seu papel e as banhava, inundando de frescor seus cabelos. A nudez interligava tudo que fosse puro, como elas. Conectava tudo que fosse Renoir. Sem más impressões, apenas impressionismo. Nu.

16.9.09




O livro é um relato jornalístico do assassinato de uma família do Kansas. Intercalando "cenas" da família e dos assassinos, Capote vai dirigindo a narrativa para o seu ápice, seu clímax, que se dá no momento em que uma amiga da família encontra o corpo de Nancy, filha dos Clutter.
As palavras são pensadas e posicionadas em frases construídas com o propósito de "dar vida" a essa terrível história - o que poderia parecer contraditório, não fossem inumeráveis os casos de notícias relatadas como anúncios de publicidade; os fatos pelos fatos. No entanto, o acontecimento apenas exposto na mídia seria rapidamente esquecido. Um assassinato, por mais pérfido que seja, não choca as pessoas por muito tempo; torna-se parte do cotidiano ouvir esse tipo de crime em noticiários. Capote, miscigenando apuro jornalístico, sensibilidade e uma alma literária, encontrou a forma correta de eternizar essa crueldade transformada em livro em 1966. Ele viveu a história que contou ao mundo, envolveu-se com a matéria, foi a fundo naquilo, quebrando a barreira das reportagens convencionais. E isso se chama Novo Jornalismo, apesar de Capote afirmar sua obra como sendo apenas um romance não-ficcional.
De fato, não há ficção; há apenas a realidade - tal como é, penetrante, infeliz e inesquecível. Que fossem relatadas assim todas as injustiças que nos rodeiam, de forma que as imagens colassem em nossas retinas e não nos deixassem dormir - dessa maneira, seríamos obrigados a agir para que pudéssemos serenar novamente. É esse o jornalismo de verdade, o jornalismo que eu busco: aquele que não apenas relata o passado, mas incita a mudança no futuro.

15.9.09

Era o quinto dia consecutivo de chuva intermitente, e Augusto mexia vagarosamente o seu café. A colher andava em círculos, mas isso não representava nada; apenas uma colher, apenas mais um dia nublado. A ausência do sol não diminuía o brilho dos acontecimentos.

O nome completo – o seu nome! –, ali, na lista do vestibular, nunca parecera tão bonito. Augusto Abbott – História. Sua paixão sempre foram os livros repletos de datas e fatos, e seus ídolos iam de Júlio César a Martin Luther King. Aqueles caras haviam feito a diferença, e agora chegara a sua oportunidade de fazê-lo.

Ao contrário do que alguns poderiam pensar, Augusto não estava preso ao passado; conhecia seus detalhes e fazia uso disso para guiar seus passos no presente. "A História pertence ao ontem; eu, ao hoje" - era o que sempre dizia. Sentia o calor de todas as possibilidades que lhe rodeavam, sentia o calor de todos os tempos, sentia o calor da vida lhe envolver. Tinha o olhar sonhador. Seu café havia esfriado, mas sua mente estava fervendo.

11.9.09

Do grego syn (união, junção) - aisthesis (percepção)

A explosão de sons rapidamente se transforma em cores vibrantes... Cade cheiro dessas cores e sons toca meu corpo em todas as partes possíveis. Sopros de volúpia trepidantes fazem meu corpo fremitante emitir, através de ondas, palavras libidinosas, que se organizam em frases completas de prazer absoluto. Gozo musical! Os acordes me penetram...

5.9.09


Tenho o coração no ouvido
E ele vibra a cada acorde
Sejam tons graves ou agudos
Como um trovão, bate forte

Se tu me queres, toca alto
Até que meu coração
- Apaixonado e tão leve -
Ao meu peito volte então

30.8.09

Hold On



A morte é de Ophelia, mas poderia ser minha. Ou tua. You tried so hard to be someone/That you forget who you are. Não queria ser Ophelia. Nem eu. Nem tu. Mas queria ser cheia. You tried to fill some emptiness/Till all you had spilled over. Espaços de vida preenchidos com destilados ou fermentados - sem distinção alguma. Depois de milhares de copos, nem isso faz mais sentido. Tampouco as artes. Apenas o que eu vejo e não queria ver. Apenas o que eu sei sem querer. When all that you wanted/And all that you have/Don't seem so much/For you to hold on to. Queria poder renascer - em um desejo incitado pelo céu azul após a chuva, como acontecera com Vincent Millay -, mas ainda não morri completamente. Queria renascer cega. Não, não desisti por inteiro. Mesmo que eu saiba como vai ser, como vai continuar sendo. Ainda que essas palavras ecoem pela eternidade, dançando no vazio. When it's hard to be yourself/It's not to be someone else. Serei sempre eu; com as correntes nos pés, de quem quer fugir e não pode, "de quem dorme irrequieto, metade a sonhar". Sonhando que sou outro, ou que tu és eu, quando, na realidade, somos ambos Ophelia.

18.8.09

Slow (and eternal) Movement


As pessoas no trem têm todas o mesmo olhar lânguido
Fixam-se em um ponto distante
Nem na paisagem, nem no passageiro desconhecido sentado ao longe
Apenas miram para qualquer lugar
E a melancolia que sentem por dentro adquire a mesma cadência das engrenagens
Muitas usam fones de ouvido
Para que a poluição sonora não lhes perturbe
Todas têm um destino, uma parada na qual descer
Embora a névoa nos olhos de um garoto indique que está perdido
Não mais do que os outros
E é bom ter uma estação a qual pertencer
Para evitar que os pés também precisem pensar
Pensar, pensar, pensar...
O ritmo do trem parece incitar o pensamento contínuo
Sem pausas, sem trégua
Um fluxo circular; torturante
A sensação do passado imperfeito entrando pelas janelas
Abertas apenas pela metade
Tão metade quanto se sentem os passageiros
A angústia de não conseguirem possuir nenhum dos tempos
[foge-lhes o passado; escorre-lhes pelas mãos o presente; escapa-lhes o futuro]
Domina-os
São incompletos em função disso
E o trem, inexoravelmente, não deixa que esqueçam
Correndo por trilhos nos quais não voltará
E sem nunca deixar adivinhar a curva que está por vir

Entre os anódinos que ali estão
Um casal parece sobressair de todo o resto
Como se para eles se aplicassem outras regras
Como se não lhes atingisse a quieta lei do eterno rodar sem saber para onde e porque ir
Não que soubessem muita coisa
Tampouco eram tolos
Apenas não sentiam a necessidade de possuir respostas
E não chegavam a se importar com aqueles que os julgavam por isso
[Revolucionários, ambiciosos, pacifistas ou corretamente políticos
No fim de tudo, todos querem poder cruzar com a serenidade no fim dos trilhos
E que esta seja desfrutada em boa companhia]
Ali, bem nos braços um do outro
Ali onde eram capazes de refrear a velocidade
Descobriram a eternidade a dois
Diferente da eternidade suprema
Porque aquela é frágil e pode deixar de ser eterna por um pequeno deslize
Mas nem por isso é menos valorosa
Talvez seja até mais nobre
Por contrastar com os momentos finitos que lhe são anteriores e posteriores
Como se fosse uma pequena pedra brilhante em um trilho de britas
Destacando-se da mesmice opaca que vem antes e que chega depois
Ela precisa de ambas as partes que a conjuraram
E quando as tem, é tão infinita quanto à suprema
E até possui o mesmo fulgor
Algumas estações além, no entanto, ele desceu
Ela ficou
Poderia ter sido o contrário
Mas não é de hipóteses que se configura a vida
E sim de fatos
E o fato é que - com o término daquela fagulha de eternidade
A garota passou a ser mais uma a estar incompleta
A deixar os pensamentos tomar conta de sua mente antes tão silenciosa
Ela rezou para que o trem voltasse em seu caminho
Porém, se é que existe um deus, o senhor onipotente e onisciente não parecia se importar
Que a garota serenasse e entrasse na mesma cadência daqueles que lhe rodeavam
No mesmo compasso dos vagões
Pois alguns ali também tiveram a epifania da eternidade
E sofreram igualmente sua derrocada
Sentiram o mesmo baque
E quando isso aconteceu
O que fizeram foi se agarrar firmemente a algum apoio do trem
Que não pararia para que se recompusessem
E então continuam seguindo por inércia
Ainda que seus pés tencionem correr ao futuro e suas mentes estejam presas ao passado
Fixam-se em um ponto distante
Nem na paisagem, nem no passageiro desconhecido sentado ao longe
Apenas miram para qualquer lugar
E a melancolia que sentem por dentro adquire a mesma cadência das engrenagens
E então tudo está bem
Tudo está como deveria estar
E o brilho da eternidade recém descoberta começa a diminuir sua intensidade
Apaga-se aos poucos
Tal qual uma chama que vai perdendo a força conforme avança a noite
Mas o trem continua
Com os mesmos singulares ruídos de suas rodas batendo nos trilhos
Implacável em seu rodar absurdo

Tão implacável quanto o pensamento de certos passageiros
Que não podem deixar de se questionar
Estação após estação
Imploram por algum sentido para tudo aquilo
Ainda que as paisagens mudem
Ainda que alguns desçam e outros embarquem
Ainda que a tristeza não se mostre no fundo de seus olhos o tempo inteiro
Ainda que sejam aparentemente livres
Ainda que suspendam a respiração no limiar de uma nova curva
Ser obrigados a rodar sem que entendam
É apenas absurdo demais para alguns
E então uns tentam pular pela janela do trem
Enquanto outros tornam seus olhos baços
Denunciando que não se encontram de verdade ali
E que criaram um outro lugar para estar
Um lugar onde não há quem os machuque - pois não podem os tocar
Nem quem os obrigue a completar ordenadamente o ciclo nascer/morrer
Morrem primeiro
Matam qualquer ligação com o mundo ao redor
E assim, desconectados, preparam-se para então nascer
E pensam que todos deveriam poder escolher o próprio nascimento
Que ocorresse no momento em que desejassem
Quando se sentissem prontos para tanto
Porque a vontade de morte é presente em todos em algum momento
Mas o sentimento de vida parece se esvair
Talvez por ser feito de aroma mais raro
O fato é que nem sempre se quer nascer
E naqueles em que esse desejo nunca se faz concreto
Projeta-se uma sombra
Que aos poucos os transforma em espectros
Cheios de um nada imenso, de um rodar indiferente
E então se fixam em um ponto distante
Nem na paisagem, nem no passageiro desconhecido sentado ao longe
Apenas miram para qualquer lugar

Algumas pessoas no trem têm o mesmo olhar morto

10.8.09

O Espírito Verde

Emersa em águas
A cada dia mais rasas
Sou feito esponja
E me alimento do líquido inodoro
Com sabor de expectativa otimista

Deitaram-me nessa poça
E acostumei-me a sobreviver
Sorvendo diariamente pequenas doses
Temendo consumir o único fluido
Capaz de me manter longe da morte quando acordada

Como se fosse uma pequena chama
A qual alimento com cuidado
- meticulosamente
Aqueço-me e afasto o gélido pesar
Do eterno nunca mais

Aconchego-me nessa bolha
Que – como se encantada – possui um sonoro silêncio
Impenetrável por sons alheios que,
Tal qual fagulhas, dilaceram-me
E enegrecem minha espera - ânsia.

7.8.09

Todos riam despreocupadamente. Seus olhos emitiam o brilho da beleza e do bem-estar. A comida era tão farta quanto a hipocrisia. Conversas paralelas, cada uma mais alegre do que a outra, originavam um constante burburinho na sala e uma celeuma na minha cabeça. "Eu quero, sinceramente, descer de uma Mercedez vestindo um terno e ser chamado de doutor." Os sorrisos, forçando aparentar conforto, eram atestados de que os que ali estavam encontraram seu caminho e se deram bem na vida. E por qual outro motivo estariam ali se não esse?? "Eu fui efetivada!" O ar na sala ficava mais pesado a cada gargalhada que ecoava. Méritos e conquistas adquiriam asas e voavam pela grande e sufocante sala. Mas tudo estava bem. Tudo tinha que estar bem, não tinha? Crescemos, ora essa. É dever dos adultos construir uma família, ter seus filhos e ser feliz; mostrar isso aos outros, por que não? Qual o problema em copartilhar com os ex-colegas colegiais toda essa exuberante felicidade? Ex-colegas de sonhos; ex-colegas repletos de ideais comuns; ex-colegas esperançosos, jovens, com sede por fazer alguma coisa para mudar qualquer coisa; ex-colegas planejando um futuro juntos; ex-amigos. Crescemos? Mudamos. E esquecemos de mudar juntos. Os olhos não são os mesmos, por que os sonhos seriam? "Aprendi que na vida o jeito é ser egoísta, por que os outros são egoístas comigo." Mas os risos não cessavam, assim como o tempo não voltava. Celebrar!, era o que podiam fazer, ainda que, do lado de fora da janela, o mundo explodisse silenciosamente.

5.8.09

Revolution

Eu queria escrever palavras duras. Queria mudar o mundo, queria ter ideais. Um anticapitalista com um discurso enfático! Ou quem sabe salvar os pobres da fome que lhes aplaca. Eu podia me envolver em alguma causa nobre... Fazer um abaixo-assinado em favor do impeachment da governadora, ou entregar panfletos de consciência sobre o aquecimento global. Deveria apontar o dedo na cara das pessoas e lhes mostrar seus erros, seus egoísmos!! Sim, eu deveria... Mas tudo isso cansa tanto, exige tanto esforço, que prefiro apenas sobreviver aos dias.

4.8.09

Poesia, velas e vinho

Tinha as unhas de preto pintadas
Em luto por mais uma morte em sua vida
A espontaneidade, os pais, esperanças aladas
E agora ele
Deixando sua existência mais mórbida ainda

Fechou os botões da capa cinza
Que tentava afastar de seu corpo o frio congelante
"é o inverno mais rigoroso dos últimos anos"
Era o que anunciava o vendedor de jornais ambulante
Mas não era o tempo, e sim seu coração que estava gélido

A maçaneta da porta girou sob sua mão
E o ar que lhe chegou aos pulmões era quente
Havia muitas pessoas ali
Pedindo bebidas no balcão
Mas foi a solidão a única que lhe cortejou naquele ambiente

Tirou de sua bolsa o livro de poemas
Precisava de Vincent Millay e de seu conforto lírico que acalma
"Only until this cigarette is ended..."
Acendeu um cigarro, e a cada baforada
Expelia para longe a fumaça, como se fosse um fragmento de sua alma

A parca iluminação configurava um sombrio ar
Mas não era necessária muita luz
A quietude do lugar e dos que ali estavam
Era constrangedora demais para se mostrar
E as poucas velas eram suficientes para as sombras que desejavam dançar

Na mesma cadeira de sempre se acomoda
Pois as mudanças jamais atravessam as velhas portas duplas
E ali seu amor defunto hiberna
Enquanto entorna um copo de vinho atrás do outro
Sentada no canto ermo da escura taverna

3.8.09

Separou languidamente sua roupa, a qual equilibrou em apenas um braço; o outro segurava o aparelho de som. Alice levou tudo ao banheiro e voltou ao quarto para escolher algum CD. Naquele dia, Led Zeppelin IV. Passou as duas primeiras músicas – agitadas em demasia para o seu estado de espírito – e começou a se despir com Battle of Evermore. Sentiu vontade de fechar os olhos e dançar lentamente. “Oh, dance in the dark of night”... Foi o que fez durante os próximos cinco minutos e cinquenta e quatro segundos; Stairway To Heaven a fez parar. Não cabiam passos de dança naqueles acordes, que a entristeceram. Também queria sua própria estrada para o céu, que a cada degrau deixasse para trás suas dúvidas. Não; quando o ritmo da música acelerou, quis apenas um banho quente. O sol brilhava alto, marcando o meio-dia, mas o seu calor não chegava com suficiente vigor à terra; seus raios apenas passavam pelo vidro e irisavam o peito de Alice, enquanto ela deixava a água correr por seu corpo. A música seguinte a fez abandonar sua introspecção. Foi quando ela me notou. Eu estive ali por uma semana inteira, compartilhando ao mesmo tempo o espaço do chuveiro e aquele momento íntimo. Quando a vi pela primeira vez, soube que se banhar não era para ela apenas um ato do cotidiano. Além de Bob Dylan, Janis Joplin, Pink Floyd, Joni Mitchell, Beatles e BB King, ouvi também seus pensamentos, adivinhei-os pelos traços de sua face. Alice realmente achava que poderia remover de si, com a força da água, tudo o que desejasse; deixava escoar pelo ralo o passado que lhe perturbava e mantinha apenas aquilo que lhe aprazia. Ou ao menos era nisso que gostava de acreditar enquanto esfregava o sabonete em sua pele. Quando me viu, empurrou com o pé até mim a água acumulada no chão. Eu atrapalhava seus devaneios, apesar de ter estado ali por seis dias sem ter sido descoberta. A garota era tão presa a si mesma que aquilo que lhe circundava parecia fazer parte de um mundo no qual ela era apenas uma visitante. Tentei fugir do jato de água, mas não fui ágil o bastante; debati-me brevemente, mas logo cansei. Minha paralisação foi o sinal verde para o seu fluxo de pensamentos. Não mexi mais nenhum músculo e fiquei como morta. Alice fechou o chuveiro com o início de “Going To California” e então me olhou novamente; teria que passar por mim para sair. Continuei sem me mover. Foi então que seus olhos pareceram se desviar de seu interior e neles vi estampado o terror: “Meu Deus, eu matei a lagartixa!” Em todos os dias que estive ao seu lado sem que soubesse, nunca havia presenciado tal envolvimento com algo externo; só por isso não pude dar qualquer sinal de que estivesse viva. Abismada, foi me empurrando com os mesmos jatos de água que me lançara antes. Perto do meu abismo, não pude conter minha pata dianteira, que se levantou em sinal de suplício. Foi, embora, um movimento brusco e fugaz, o qual Alice considerou apenas um último espasmo, mas que lhe arrancou um grito abafado. Com um esforço que lhe sugou todas as energias, deu-me o último empurrão. No mesmo instante em que meu corpo tocava o chão com um baque, ouvi seus sussurros cantados: “Standing on a hill in my mountain of dreams, telling myself it's not as hard, hard, hard as it seems…” Não era egoísmo ou adoração do próprio eu que a trancafiaram em sua mente; era a questão primordial de Camus que atravessava sua mente de um lado para outro: “Vale a pena viver?!” Minha falsa morte ressuscitara a questão. Eu estava viva, mas não faria qualquer esforço para lhe provar isso.

13.7.09

Toque de Midas Inverso

Dizem que não é possível traduzir fielmente aquilo que sentimos. Fernando Pessoa fingia, recriava o sentimento escrevendo-o de forma compreensível. Tudo isso, contudo, é uma teoria que, como todas as outras, contém falhas, exceções. A exceção dessa deu-se em mim - o que não poderia lastimar mais intensamente. Nunca quis fugir à regra e sentir o peso da diferença... Ainda mais em um caso desses. Não, não sou capaz de pôr em palavras fidedignamente aquilo que se passa no meu interior. Sequer almejo fazê-lo; sou recluso e econômico naquilo que digo. Não por ter pouco a dizer, mas por opção. Podemos fazer nossas próprias escolhas, não podemos? Somos "livres" para tanto. Librdade... "Palavra que o sonho humano alimenta", diria Cecília. Sou dos seres que habitam esta terra talvez o mais cativo. E fui preso por ti. Meu pesar é ter compaixão do modo como os gregos a definiam; coloco-me em teu lugar e absorvo tuas dores. De modo literal e nem um pouco poético. Quando tu me tocas, parte daquilo que tu sentes é a mim dirigido de maneira perniciosa. Se tu falas o que sentes, feito esponja absorvo tudo, contrariando a limitação da tradução ignóbil. As iniquidades cometidas contra ti, que te vertem lágrimas, atingem minha face tal qual uma indesejada lufada de vento; fico atônito, aturdido, sem saber o porquê de tanto sofrimento. É minha sina... Por isso, a cada novo clarear do dia, torno-me mais fugidio. Evito-te; sempre volto. Parece que não posso fugir desse vil destino sem sentir males ainda mais agudos; carregarei meu fardo e, enquanto eu respirar, chorarei por ti.

12.7.09

A companheira

Não me apresente à tristeza
Conheço-a desde o nascer dos dias
Enquanto espiava as rodas
De crianças a brincar
Já nesse tempo a melancolia – doce e lancinante
Vestida de fada madrinha
Espreitava-me com ares de cobiça.

As primaveras seguintes trocaram seu traje
Era o vento a me abraçar
A bater na cara sem piedade
Sem receios de lacerar a minha face
Agora sulcada, antes...
Como era?
Os sons ao redor – folhas farfalhantes! – me confundem

No entanto, lembro bem do cheiro
Ah!... a fumaça que pairava no ar
Sufocava ao ver mentes entorpecidas e quietas
Quando minha alma parecia ser a única
Que se agitava, delirante
Por entre toda a bruma
Tinha certeza de que não podiam ver, que dirá sentir.

Em breves momentos de regozijo
Agradecia por poder respirar
E, adolescentemente, punha-me a dispor dos dias.
Era afirmado louco
Com os plátanos outonais
A denunciar passos ébrios
De um misantropo

Já éramos muito próximos então
Ouvíamos juntos os blues
E, vez ou outra, ela arriscou mudar meu curso
E o de minhas lágrimas
Mas quis – desesperadamente – romper nosso laço
O qual descobri demasiadamente sólido
E não havia mais brios para lhe contrariar.

Livrar-me de suas artimanhas...
Sonho acalentado!
Nas noites frias de inverno
Foi a bengala desse velho já pusilânime
Abismal! No breve momento em que aqui me deixou
Foi por castigo – ria do topo a me observar
E agora, sua fantasia final

Ó, flamejante melancolia!
És o verme, minha eterna companhia.

11.7.09

A quantidade de quase orgasmos é infinitamente superior às gozadas plenas. Chego perto, muito perto, mas na hora da entrega final... nada acontece. E então a clássica feição de "para onde foi?!" assalta meu rosto. É claro que tudo isso pouco tem a ver com sexo, mas com vida - não que sexo não seja vida... enfim. Vivo das expectativas que crio e desejo um imenso e inefável gozo. Vejo um texto se desenrolar, e ele até tem bom início e meio. O fim é que é uma porra. Ou melhor, o fim é um grande pinto brochado. Isso não é nojento, nem engraçado - qual o teu problema com as palavras?! Pura melancolia, cara. Não sei o que fazer quando todas as letras já parecem ter esgotado a quantia de permutações frasais. Merda. Saber que não vou gozar e continuar na transa é quase uma tortura. Antes fosse só na escrita... com os textos ainda me entendo. Quero dizer, a frustração se resume ao papel, sacas? Foda é brochar no plano real, cara. É como se... como se a própria vida estivesse na cama comigo e pulasse fora antes de eu terminar. Talvez eu tenha que aprender a ser mais rápido. Não; gosto do contraste da brevidade da vida com as sensações arrastadas, exploradas até o limite, ansiando pelo êxtase final. Provavelmente, a vida é isso mesmo; uma grande transa. E então concluir um orgasmo deve ser, paradoxalmente, brochante. Uma epifania tão enaltecedora que nos petrificaria... Foda-se; manter-me-ei excitado.

Foda mesmo é compartilhar essa linda transa com pessoas constantemente brochadas.

8.7.09

Amor (inco)Mensurável

Ele disse para ela que não poderia oferecer mais nada; era o fim, ela também não aceitaria menos. O que qualquer pessoa sensata pensaria é "caralho, quando começaram a medir sentimentos?!" Bom, qualquer pessoa sensata talvez não; eu pensei, no entanto. É; de sensato tenho pouco. Apenas a lucidez para não me meter em assuntos alheios e por isso só pensei, não lhes disse nada. Mas minha vontade era gritar-lhes que eram cegos. Não viam que o que tinham era o bastante? Mais até do que muitos sonhavam um dia encontrar. Porém, ela ouvira das amigas que ele a procurava pouco e provavelmente tinha medo de se comprometer. E ela precisava mais. Ele ouvira de seus caras que ela era uma neurótica, uma caça-casamentos. Ele queria menos. Ambos os idiotas se queriam, mas não podiam ver. Não lhes era suficiente a boa companhia um do outro e as risadas compartilhadas; arrastaram o relacionamento para o resto do mundo e o efeito foi o esperado. Eu teria avisado se de fato me importasse. Nécios. Um relacionamento deve ser como um segredo... Se perguntam como andam as coisas, um breve "bem" deve bastar para que não lancem o veneno do ceticismo sobre o casal. Ninguém mais acredita no amor, mas insistem em medi-lo; apenas vivê-lo ou é pouco, ou é demais.

7.7.09

Saí do rumo. Arrancaram-me a estrada dos pés e tiveram a petulância de dizer "segue em frente!". Contrariei-lhes por não lhes contrariar; continuei a andar. Gritei, xinguei e expulsei. Depois, fiquei calado, não quis mais sequer pensar, mas não podia silenciar a mente... Nunca pude. Fui guardando o conteúdo só para mim, fui enchendo... Enchi; transbordei. Feito copo d'água. Foi memorável, pingos molhando quem insistia em permanecer seco. Por que não molhar?! Nunca entendi. Sempre me disseram para fazer tudo direitinho, do jeito como eles queriam, que daria tudo certo. Eu os ouvi e agora respondo por isso. Respondo-lhes que não os ouvirei mais; fechei meus ouvidos para tanta bobagem sem signifição. Sem sentido, sem rumo. Se tenho meus pés, não preciso do caminho alheio. Preciso de pouco, na verdade... Mais do que uma garrafa de cerveja, música e poesia? Nunca quis. E não teria dado certo; não deu. Tentei fugir-me e voltei correndo para mim; sôfrego, ansioso pelo espelho. "E quando quis tirar a máscara/estava pegada à cara", disse o Álvaro. Eu, quando o quis, não achei máscara alguma. Talvez eu nunca tenha seguido outros passos que não os meus. Não, nunca segui. Então como esse ar cheira à segunda vez? Como parece que aqui já estive antes e voltei?! Revisito-me...

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