18.8.09

Slow (and eternal) Movement


As pessoas no trem têm todas o mesmo olhar lânguido
Fixam-se em um ponto distante
Nem na paisagem, nem no passageiro desconhecido sentado ao longe
Apenas miram para qualquer lugar
E a melancolia que sentem por dentro adquire a mesma cadência das engrenagens
Muitas usam fones de ouvido
Para que a poluição sonora não lhes perturbe
Todas têm um destino, uma parada na qual descer
Embora a névoa nos olhos de um garoto indique que está perdido
Não mais do que os outros
E é bom ter uma estação a qual pertencer
Para evitar que os pés também precisem pensar
Pensar, pensar, pensar...
O ritmo do trem parece incitar o pensamento contínuo
Sem pausas, sem trégua
Um fluxo circular; torturante
A sensação do passado imperfeito entrando pelas janelas
Abertas apenas pela metade
Tão metade quanto se sentem os passageiros
A angústia de não conseguirem possuir nenhum dos tempos
[foge-lhes o passado; escorre-lhes pelas mãos o presente; escapa-lhes o futuro]
Domina-os
São incompletos em função disso
E o trem, inexoravelmente, não deixa que esqueçam
Correndo por trilhos nos quais não voltará
E sem nunca deixar adivinhar a curva que está por vir

Entre os anódinos que ali estão
Um casal parece sobressair de todo o resto
Como se para eles se aplicassem outras regras
Como se não lhes atingisse a quieta lei do eterno rodar sem saber para onde e porque ir
Não que soubessem muita coisa
Tampouco eram tolos
Apenas não sentiam a necessidade de possuir respostas
E não chegavam a se importar com aqueles que os julgavam por isso
[Revolucionários, ambiciosos, pacifistas ou corretamente políticos
No fim de tudo, todos querem poder cruzar com a serenidade no fim dos trilhos
E que esta seja desfrutada em boa companhia]
Ali, bem nos braços um do outro
Ali onde eram capazes de refrear a velocidade
Descobriram a eternidade a dois
Diferente da eternidade suprema
Porque aquela é frágil e pode deixar de ser eterna por um pequeno deslize
Mas nem por isso é menos valorosa
Talvez seja até mais nobre
Por contrastar com os momentos finitos que lhe são anteriores e posteriores
Como se fosse uma pequena pedra brilhante em um trilho de britas
Destacando-se da mesmice opaca que vem antes e que chega depois
Ela precisa de ambas as partes que a conjuraram
E quando as tem, é tão infinita quanto à suprema
E até possui o mesmo fulgor
Algumas estações além, no entanto, ele desceu
Ela ficou
Poderia ter sido o contrário
Mas não é de hipóteses que se configura a vida
E sim de fatos
E o fato é que - com o término daquela fagulha de eternidade
A garota passou a ser mais uma a estar incompleta
A deixar os pensamentos tomar conta de sua mente antes tão silenciosa
Ela rezou para que o trem voltasse em seu caminho
Porém, se é que existe um deus, o senhor onipotente e onisciente não parecia se importar
Que a garota serenasse e entrasse na mesma cadência daqueles que lhe rodeavam
No mesmo compasso dos vagões
Pois alguns ali também tiveram a epifania da eternidade
E sofreram igualmente sua derrocada
Sentiram o mesmo baque
E quando isso aconteceu
O que fizeram foi se agarrar firmemente a algum apoio do trem
Que não pararia para que se recompusessem
E então continuam seguindo por inércia
Ainda que seus pés tencionem correr ao futuro e suas mentes estejam presas ao passado
Fixam-se em um ponto distante
Nem na paisagem, nem no passageiro desconhecido sentado ao longe
Apenas miram para qualquer lugar
E a melancolia que sentem por dentro adquire a mesma cadência das engrenagens
E então tudo está bem
Tudo está como deveria estar
E o brilho da eternidade recém descoberta começa a diminuir sua intensidade
Apaga-se aos poucos
Tal qual uma chama que vai perdendo a força conforme avança a noite
Mas o trem continua
Com os mesmos singulares ruídos de suas rodas batendo nos trilhos
Implacável em seu rodar absurdo

Tão implacável quanto o pensamento de certos passageiros
Que não podem deixar de se questionar
Estação após estação
Imploram por algum sentido para tudo aquilo
Ainda que as paisagens mudem
Ainda que alguns desçam e outros embarquem
Ainda que a tristeza não se mostre no fundo de seus olhos o tempo inteiro
Ainda que sejam aparentemente livres
Ainda que suspendam a respiração no limiar de uma nova curva
Ser obrigados a rodar sem que entendam
É apenas absurdo demais para alguns
E então uns tentam pular pela janela do trem
Enquanto outros tornam seus olhos baços
Denunciando que não se encontram de verdade ali
E que criaram um outro lugar para estar
Um lugar onde não há quem os machuque - pois não podem os tocar
Nem quem os obrigue a completar ordenadamente o ciclo nascer/morrer
Morrem primeiro
Matam qualquer ligação com o mundo ao redor
E assim, desconectados, preparam-se para então nascer
E pensam que todos deveriam poder escolher o próprio nascimento
Que ocorresse no momento em que desejassem
Quando se sentissem prontos para tanto
Porque a vontade de morte é presente em todos em algum momento
Mas o sentimento de vida parece se esvair
Talvez por ser feito de aroma mais raro
O fato é que nem sempre se quer nascer
E naqueles em que esse desejo nunca se faz concreto
Projeta-se uma sombra
Que aos poucos os transforma em espectros
Cheios de um nada imenso, de um rodar indiferente
E então se fixam em um ponto distante
Nem na paisagem, nem no passageiro desconhecido sentado ao longe
Apenas miram para qualquer lugar

Algumas pessoas no trem têm o mesmo olhar morto

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