1.11.09

O muro é alto



"Caso alguém tenha problemas com cigarro, alertamos para que escolham assentos mais afastados do palco, pois as atrizes fumam em cena". A fala é real e nem faz parte do teatro, mas já nos deixa imaginativos para o que veremos. Quero dizer, Nelson Rodrigues punha a mãe com tesão pelo filho, e o irmão querendo comer a irmã no mesmo palco, mas a incomodação se abstinha ao plano psicológico. "Para F.K" já começa prometendo mais.
O início é suave: violão, luz fraca. Quatro mulheres e um músico. "Músico" já explica tanta coisa, que o termo se faz preferível ao simples "homem". Quanto às mulheres, alta, loira, crespa e pequena é tão raso quanto a gota que sobrou no copo. A pequena é romântica; tão possuída pelo desejo de amar que se recitasse Florbela Espanca - "eu quero amar, amar perdidamente!/Amar só por amar: Aqui... Além..." -, as palavras pareceriam suas. A alta? Dama da noite é como a chamam. Bebe para ofuscar sua lucidez, sua consciência a respeito da vida que não lhe deixa jamais, pois possui o olhar de quem vê de fora, fora da roda... Quem enxerga tanto jamais dorme; fica assim, com a feição cansada, exausta. Ela gostaria de ser acalentada pelo abraço da outra, com seus cachos abundantes a lhe acariciar a face. Doce... tão doce! Sua falinha mansa, cheia de dengo... que de repente se vai e explode!!, pela falta do toque dele. Não do músico, do homem.
Loira - gorda, burra e feliz, ela diria. Feliz? Pode ser. Acredito que a melancolia possa ser feliz mesmo. Bom, reconfortante ao menos. Linda, sem dúvidas; chega por trás e a envolve, a põe louca, enraivecida, nostálgica. E ele nem foi embora ainda. É como disse a pequena, "dias frios te deixam mais lento, mais bonito"; a melancolia também é um dia frio... põe lágrimas na face... mechas loiras tentam escondê-las.
Todos os corações, com suas peculiaridades femininas, o querem. Seja porque gostam muito, porque ele não liga há tempos, porque ele cresceu demais, ou porque é apenas um garotão inocente. E DAÍ?!! Que vá embora! Mas a perspectiva do não-retorno as amendronta tanto que as prende em si mesmas. Para sempre, pois a peça termina deixando o infinito todo para que cada uma delas o percorra em trilhos de dor; no deserto, sem bichos, água ou árvores. Nada. Apenas um muro alto, ainda intransponível.
A luz volta e incide no meu olho a realidade. Há aplausos, porém os meus são automáticos. Não tenho vontade de ovacionar, por mais fantástica que tenha sido a atuação. Aliás, é justamente esse fato que bloqueou meus movimentos. A alta, a loira, a crespa e a pequena me arrastaram e me acorrentaram no seu mundo que bebe, fuma, grita e sente. Ao sair do teatro com os fones no ouvido, Bob Dylan me adivinha... "How does it feel? To be on your own, with no direction home..." Para aqueles que têm problemas com cigarro, lugares afastados do palco bastam; aos que acreditam que "sentir é melhor maneira de viajar/Sentir tudo de todas as maneiras/Sentir excessivamente...", apenas do outro lado da porta é seguro
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